terça-feira, 26 de maio de 2009

Viver

Andava pela rua em uma madrugada fria de inverno, o vento soprava forte. Qualquer outro que estivesse em seu lugar sentiria o ar gelado cortando o rosto, mas com ele não, não mais sentia nada, nenhuma sensação, apenas andava.

Talvez andar sem rumo pela grande metrópole seria seu único desejo no momento, havia deixado para trás toda a sua vida, sequer trazia consigo um documento, não queria ser identificado. Pensava que assim se igualaria àquelas pessoas que viviam nas redondezas da sua casa. Não, no fundo ele sabia que não se igualaria a elas, seu ar pequeno burguês o identificava de alguma maneira.

Por um instante quis parar, sentar em algum bar e beber tudo aquilo que sempre o consumiu. Não era possível, não tinha dinheiro sequer para um gole. Resolveu então apertar o passo, quem sabe não encontraria, ao virar a próxima esquina, algo que permanentemente procurou por toda a sua vida. Mas como seria possível encontrar uma coisa que não se sabe o que é??

Ele já não mais conseguia discernir o que era sonho e o que era real, só sabia que tudo o que vivera até aquele momento não mais lhe cabia. Mais alguns passos e um tropeço, por trás dos sacos de lixo em que havia tropeçado havia um homem, tão invisível quanto todo aquele lixo que se acumulava na rua.

Os pensamentos que lhe surgiam o atordoava, não sabia o que falar, pensou em pedir desculpas ao homem por acordá-lo, mas achou melhor não se desculpar. O homem sabia da sua invisibilidade, assim como a daqueles sacos de lixo, que só seriam percebidos quando começassem a feder, pedir desculpas era inútil.

Paralisado, olhava fixamente nos olhos do homem, que sem entender muito bem, disse a ele:
- Não sei quem você é, muito menos o que faz por aqui, mas pela sua cara de playboy sei que não procura um lugar menos gelado para tentar dormir, então suponho que não queira dividir esse espaço comigo. Está frio, não tenho um puto no bolso e a única coisa que eu quero é dormir. Você já me acordou com o seu barulho, agora tira seu olho daqui e some.

Foi aí que sentiu pela primeira vez naquela noite o vento cortar seu rosto. Sabia que alguma coisa havia mudado, que nada mais seria como antes. Sentiu-se vivo novamente. Sua primeira atitude foi acatar a ordem daquele homem, sumiu de lá, sem dizer uma palavra. Continuaria a andar, mas agora ele tinha certeza de que recuperara as sensações, especialmente quando uma lágrima quente rolou seu rosto gelado pelo frio da madrugada. Sim, estava vivo...


Nenhum comentário:

Postar um comentário