terça-feira, 30 de junho de 2009

Sobre Simone de Beauvoir e Sartre nº 2

Depois de algum tempo consegui terminar de ler Tête-à-Tête, a biografia do relacionamento de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, escrita pela americana Hazel Howley. Para quem não conhece, ou conhece apenas superficialmente a história do relacionamento aberto mais famoso do século XX, o livro é bem interessante.

Ao percorrer as suas páginas, encontramos um mundo muitas vezes incompreensível. Não havia nada de convencional no relacionamento dos dois, sete anos após se conhecerem, Sartre e Beauvoir não mais tiveram relações sexuais, o que os ligava era a intelectualidade e a paixão pela escrita. Tudo o que viveram foi transformado em narrativa, o pacto de lealdade que os unia foi mais forte do que qualquer relação que ambos tivessem.

O outro lado disso tudo é que com suas amantes Sartre era machista e arrogante, os relatos são de um homem com problemas em relação a sua feiura e que a compensava seduzindo mulheres bonitas. Sartre sempre sustentou suas amantes, até o fim da vida. Simone por sua vez, sempre sofreu com o ciúmes que tinha de Sarte, há no livro a história de que ela desmarcou um encontro com Nelson Algren, uma de suas grandes paixões, para ficar com Sartre, que acabou tendo problemas com uma de suas amantes e não pode encontrá-la. Simone ficou desconsolada, tentou remarcar sua viagem com Algren, mas não foi possível.

A história do casal existencialista mostra que a liberdade tão apregoada por ambos é muito difícil de ser vivida na prática, é um exercício constante e que precisa ser sempre renovado. Para viver o pacto que fizeram, tiveram que mentir para todos, se entre ambos nada passaria impune, tudo seria relatado, com os outros sempre houve uma vida de aparências, muitas das amantes de Sartre não sabiam de seus encontros com Beauvoir. Porém, nas cartas que trocavam, Sartre e Beauvoir eram implacáveis com todos, intelectualmente brilhantes, tinham plena consciência do que os unia era algo muito mais intenso.

No empenho de ambos em expor suas vidas como se vivessem para contar, nos deparamos com as contradições do humano, nos deparamos com a escritora feminista e o filósofo que sustenta suas amantes dizendo não respeitar "um homem que deixava sua mulher ao deus-dará". Vemos uma mulher que valoriza a sinceridade escondendo seu ciúmes das amantes de Sartre.

Mas no balanço de tudo, o que fica é a história fascinante de pessoas em que o mundo até hoje não é capaz de conceber. Especialmente, fica a história de uma mulher intelectualmente brilhante, que ousou passar por cima de todos os valores de sua época, que amou intensamente homens e mulheres, que produziu grandes obras da literatura, que se firmou como o grande ícone de uma época e que até hoje seduz corações e mentes.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A gripe suína e a divisão de classe

A FEA parou. Não, o mundo não está de cabeça para baixo e o pessoal do shopping da USP não resolveu entrar em greve, foi tudo culpa da gripe suína. Foram descobertos três casos da doença por lá.

Pronto, mais um argumento para comprovar a minha tese de que no Brasil a tal gripe do porco tem um recorte de classe. A grande maioria dos infectados vieram de alguma viagem ao exterior. A recomendação do ministério da saúde é para as pessoas evitarem viajar para países como Chile e Argentina.

Por mais que não seja o cúmulo da riqueza viajar para a Argentina, as passagens de avião para lá nessa época do ano não costumam ser das mais baratas. E tem também o fato de que várias escolas particulares encerraram as aulas antes por causa da doença e agora foi a vez da FEA encerrar o semestre pelo mesmo motivo.

Daqui a pouco, passado o medo e a desinformação sobre o novo vírus, os brasileiros vão preferir ter gripe suína a gripe normal, porque é mais chique. Coisa de rico no Brasil vai ser ter a gripe do porco. E de pensar que o vírus começou a se espalhar pela fronteira do México com os Estados Unidos...contraditório, não??

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Chico


"Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz..."





65 anos de uma vida vivida sem interrupções...

Chico é gênio, Chico é o malandro sambista, Chico é o corpo e a alma do que melhor se faz nesse país...

ai, ai...se todos fossem iguais a você...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Greve na USP, e eu com isso?

Tanta bobagem e tanto reacionarismo que vejo e leio por aí que não consigo ficar quieta. Todos sabem que há uma greve na USP (e muitos falam a ladainha de sempre: mais uma greve, uma "greve política", aliás esse argumento é o que mais me intriga, como se existisse uma greve ou uma mobilização que não fosse política, bando de vagabundos e daí para pior) que já dura mais de um mês e que CRUESP (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo) mantinha uma postura de se negar a negociar com os funcionários.

Estranho que tal postura os defensores da lei e da ordem não chamam de sectária. Mas isso nem vem ao caso na minha história nesse momento. O fato é que funcionários em greve resolvem fazer um piquete em frente à reitoria, visto que a coação moral no topo da estrutura de poder é muito maior, o que dificulta qualquer movimento reivindicatório (ou alguém acha que fazer greve trabalhando diretamente com o patrão é mais fácil???) e obtém como resposta a tropa de choque da polícia militar.

Aí entra uma dúvida que eu fiquei, se a reitoria sempre afirmou que os grevistas eram uma minoria, que não chegava nem a 10% os funcionários que estavam paralisados, por que utilizar a tropa de choque da PM para dispersar uma manifestação desses trabalhadores? No mínimo houve uma desproporção de forças, isso sem contar que o ato me cheirou a república velha, quando a questão social era um caso de polícia.

Diante da truculência da reitora, estudantes e professores resolvem entrar em greve exigindo a retirada da tropa de choque da universidade e em uma das manifestações do movimento ocorre o episódio lamentável do último dia 9 de junho. A universidade, local de produção de conhecimento e de um pensamento crítico da sociedade estava sitiada.

A partir desse momento, eu que não estava tão certa de que a greve era a melhor saída para o impasse, passei a defender com unhas e dentes o movimento, o confronto com a PM me fez acreditar que a saída é ampliá-lo, crescer com a mobilização e ir até as últimas consequências, lutar até o fim para conseguir não só a saída da reitora como uma mudança profunda na estrutura de poder na universidade.

Só que por maior que seja a nossa vontade de fazer diferente, ela esbarra na falta de disposição para o debate por parte de muitos estudantes. Depois de 8 anos na USP e 2 graduações, nunca tinha visto algo tão forte no sentido de deslegitimar o movimento. Existe até uma enquete na internet feita especificamente para corroborar com a opinião passada pela mídia de que os grevistas estão impedindo os estudantes de estudar. Como se greve pudesse ser discutida pela internet.

Qualquer movimento social e político precisa de debate, confronto de opiniões, não cabe uma atitude passiva, o que precisamos é de espaços em que a decisão seja coletiva e fruto de um debate horizontal. Não precisamos de mais polícia, precisamos é de aproximar a universidade das lutas sociais do país, precisamos é de mais mobilização.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Explicação nº2

Preguiça master de atualizar esse espaço. Não sei o porquê disso, mas ultimamente sempre que penso em algo para escrever aqui logo abandono a idéia pelo caminho. Não que não exista assuntos a serem relatados, muito pelo contrário, eles são vários, há uma uma greve na USP, a PM invadiu o campus, algo que não ocorria desde a ditadura militar, soltaram uma bomba em um dos redutos gays na cidade, no dia do orgulho LGBTT, além de muitas outras coisas que me atingem direta ou indiretamente, poderia até escrever sobre o quase pé na bunda que eu levei no último domingo.

Mas não tenho vontade de usar esse espaço nos últimos dias. Talvez porque tudo esteja um pouco confuso, as idéias se misturam, acho que não tenho muito o que dizer. Por enquanto vou procurar desatar alguns nós apenas vivendo, em breve volto ao blog.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Recomeçar

"O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."
José Saramago

Reinventar nossa própria história. A tarefa parece difícil, pois nos acostumamos com um determinado correr dos dias, com a segurança de algo que depois de tanto tempo parece mais sólido do que nunca. Mas de repente, olhamos a nossa volta e resolvemos que queremos reescrever aquilo que já parecia traçado.

O primeiro momento é aquele em que não aceitamos, acreditamos que tudo possa ser apenas um delírio, que daqui a pouco vamos levantar, lavar o rosto e tudo seguirá o seu curso. Por algum tempo tentamos enganar a nós mesmos, mas dura pouco, enganar a si mesmo é o mais dilacerante dos enganos.

Então resolvemos fugir, seguir uma nova viagem, sozinhos. Porém, mais uma vez percebemos que tal história não poderá ser refeita somente a duas mãos, já que se assim fosse, ela perderia a sua essência, que é também a nossa própria essência.

Quando resolvemos encarar de frente o fato de seguir um novo caminho, de renunciar às solidas conquistas, muitas vezes nos falta coragem. A nossa falta de coragem se juntam nossos medos, nossas incertezas e nesse momento nos apequenamos. É quando surgem as palavras mais duras, as atitudes contraditórias ao nosso maior desejo.

E no momento derradeiro, em que estamos no limiar entre duas escolhas que igualmente mudarão nossas vidas é que o caminho percorrido até o momento nos mostra que é possível reconstruir nossa história sem perder a substância que nos faz tão próximos. Daí vem a nossa decisão: "voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles".

Recomeçamos nossa viagem, agora o medo é algo que nos coloca um desafio, e como já temos coragem, estamos abertos ao que nos vem pela frente. Algo de novo toma o lugar do que está terminando, talvez um dia nos arriscaremos a dizer que os ventos do inverno que se aproximava trouxeram com eles, por mais contraditório que seja, algo tão quente como a paixão.

Sim, é preciso recomeçar a viagem. Sempre.

...

Tatuagem
Composição: Chico Buarque - Ruy Guerra

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava

Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço

Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva

Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes